segunda-feira, 30 de julho de 2012

Ria o progresso... chore o pescador.


Autor: Deivison Duarte da Fonseca

Sobre o Rio Pomba nos municípios de Laranjal, Recreio e Palma, Estado de Minas Gerais, Brasil



Sobe rio, desce corredeira, da mesma maneira, dia e noite, sempre foi assim e nunca vai mudar...

Era o que pensavam os pescadores! Eles conheciam todas as pedras do rio, mesmo as submersas. Sabiam os melhores pontos pra pescar, qual peixe se achava ali, a melhor lua e hora certa, parecia mágica o que o rio continuava fazendo para eles por centenas de anos.

O Rio Pomba, um gigante, cantava ao som de suas cachoeiras “gigante pela própria natureza.”

Eles eram um com o rio, como peixe e a água. Eles faziam parte da paisagem. Suas silhuetas contra o sol, com brilhos amarelados, a tardinha na corredeira, em pé, sobre o barco estreito, a dupla formava a obra, a desejada inspiração do artista, a inspiração perfeita, sonho de pintor.

Laçavam suas tarrafas, abertas ao ar como lança aguçada.







Magros, mas fortes nos seu ideais, simples, mas sábios em suas habilidades, quase nus, mas vestidos de integridade.

Cinco dias no rio e dois em casa, as ilhas eram suas moradas, e suas casas, o ninho para onde traziam as promessas de um futuro melhor e a garantia de que seu filhos não seriam como eles, mas teriam estudo, um nome, seriam alguém que soubesse falar e escrever, alguém que tivesse um diploma que usasse gravata, embora achassem um tanto quanto feia, alguém que realizassem o sonho deles, mesmo que isso lhes custasse o bronze, o bronze da pele de suas costas.

Pele marrom bronzeada, curtida pelo sol e pelo seu reflexo na água. Mãos grossas e calejadas que não podiam escrever a não ser as poesias, que seus remos, em silêncio, rabiscavam com borbulhas o planado das águas.



Mas um dia, homens de gravata, trouxeram para seus ninhos outras promessas, ludibriosas promessas de fazer esse gigante ainda maior, e realizar os sonhos de estudos de seus filhos.

Amarraram o gigante, cortaram seu montes, aplanaram seus vales, cortaram suas àrvores centenárias e expuseram sua nudez, sua vergonha.



Não se vê mais a Cachoeira do Candango, nem a do Cemitério Velho Indígena, nem o sinuoso Canal Torto ou a suavidade do Tombo Liso Cortaram as canas do braço do Canavial, calaram pra sempre o barulho estrondoso das Cachoeiras do Marimbondo, afundaram a Panela e não se vê mais a Ilha das Formigas. Enterraram sem velório o Beco Morto, e o poço do Rodador que enganava os pescadores não gira mais.



Nem se ouve berro na ilha dos cabritos, arrancaram a Porteira Preta e ninguém jamais pescará fundo ali, expulsaram os filhotes do Ninho dos Guachos, apagaram a Casa das Lâmpadas, não se escrevem mais na lousa da Escolinha, nem há mais brilho no Cruzeiro, nenhum pescador cortará atalho pelo Beco do Carlinho Carneiro, nem há mais barracas na Ilha do Bambu Gigante.

Entupiram o poço do Valdir e as lembranças do Nonora e sua filha, se vê ao longe o cume da ilha da Docarmo, e sem remorso algum alisaram Ilha Caracachenta e sobre ela puseram um montão de pedras.

E “deitado eternamente em berço esplêndido” o fizeram dormir um sono profundo, o afogaram em suas próprias águas e nelas coberto de macrofitas o sepultaram eternamente.

Sepultaram com ele o coração, a vida, a alma e o orgulho de seus pescadores.

Já não se vê mais as silhuetas dos pescadores sob o sol, e naufragou com a inspiração dos pintores, todas as lembranças, as histórias, as ilhas, e as paisagens que aos poucos se esvai da memória.

Insiste ainda a promessa irreal de um futuro sustentável, mas o o que mais dói, é que nunca, nunca, nunca mais florescerá a Ilha das Laranjeiras.



CONSULTAS:

http://www.riopombense.xpg.com.br/A%20Cidade/cidade.htm

http://joaquimrmachado.blogspot.com/2008/01/barragem-do-rio-pomba-represa-est-sendo.html

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